Disponibilização: segunda-feira, 24 de maio de 2021
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano XIV - Edição 3284
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10% (dez por cento), não havendo abusividade na cobrança. Acrescentou que, nos contratos de consórcio, são colocados à
disposição do Consorciado o valor referente ao veículo básico do plano atribuído pela montadora, não a um automóvel específico,
de modo que o requerente anuiu em receber a carta de crédito para aquisição de automóvel manual compatível com a
disponibilidade, tratando-se de negócio acabado que não merece revisão, sobretudo porque a escolha do bem partiu do próprio
consorciado. No mais, requereu a improcedência da ação, afastando-se os pedidos de restituição pelo dobro e dano moral, ante
a inexistência de abuso de cobrança que os legitime. Juntou documentos (fls. 160/207). Houve réplica (fls. 210/215). Instados a
se manifestarem sobre a necessidade de dilação probatória (fls. 216), a parte ré requereu o julgamento conforme o estado do
processo (fls. 218), sendo acompanhada pelo autor (fls. 219). É o relatório do essencial. Fundamento e decido. Constata-se ser
o caso de julgamento conforme o estado do processo, tal como reconhecido pelas partes, haja vista que os fatos encontram-se
suficientemente provados e a divergência incide sobre matéria de direito. Preliminarmente, inviável acolher a alegação de
inépcia da inicial, haja vista que a peça vestibular foi instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, em
especial o contrato (fls. 71/75 e 90/91). Afasto a tese da ilegitimidade passiva, haja vista que não há provas concretas de que
houve cessão do crédito ora discutido para qualquer seguradora, anotando-se que se tratava de ônus a ser demonstrado pela
própria ré. No mais, a requerida não nega que participou da relação de direito material discutida em juízo, de modo que, ao
menos em tese, deve ocupar o polo passivo da lide e se responsabilizar pelos fatos alegados (art. 7º do CDC). Quanto ao
mérito, a ação deve ser julgada parcialmente procedente. Alega o requerente que foi contemplado para aquisição de um
automóvel automático, todavia recebeu um carro com câmbio manual, contra sua vontade, possuindo direito a receber a
restituição do valor cobrado a maior em razão da substituição do bem. Posto isto, tem-se que, diferente do afirmado, não há
provas concretas de que o consumidor recebeu o carro manual contra sua vontade, anotando-se que a tese é incompatível com
a forma de funcionamento dos consórcios. Como é de conhecimento notório, nos contratos de consórcio, são colocados à
disposição do consorciado o valor referente à carta de crédito e ao veículo básico do plano a ele atribuído, não necessariamente
um automóvel específico, de modo que se mostra crível que o requerente anuiu em receber a carta de crédito para aquisição de
automóvel manual compatível com a disponibilidade, abdicando da prerrogativa de receber um veículo automatizado. Outrossim,
inexiste qualquer sinal de que o valor cobrado no contrato seja compatível com o preço de um carro automático, sobretudo
porque a quantia cobrada não se mostra destoante para a aquisição de um veículo manual, não merecendo, portanto, qualquer
restituição da diferença alegada. Ainda observa-se que a tese de que as prestações aumentam sem justo motivo não encontra
guarida, considerando que a requerida apresenta explicação lógica para a exasperação do preço das prestações após a
contemplação. Assim, consta dos autos que o autor aderiu à modalidade de contratação de consórcio pelo plano leve, segundo
o qual as parcelas devidas ao consórcio são reduzidas até a contemplação e depois desta retomam ao valor original, acrescido
dos percentuais reduzidos (fls. 71, item 3 e cláusula 31.2 de fls. 140), tal como se infere, ainda, do demonstrativo de evolução
do débito (fls. 190/192). No mais, observa-se que a parte autora admite a existência da mora por um longo período, entre 2018
e maio de 2020, de modo que os encargos moratórios também contribuíram para aumentar o valor das prestações mensais,
anotando-se, ademais, que não há prova de que a incidência de juros e multa operou-se de forma abusiva. Nesse sentido, os
juros e multa são previstos em contrato na taxa legal de 1% (um por cento) e 2% (dois por cento), respectivamente (fls. 231,
item 7), sendo certo que a parte autora não se esforçou em demonstrar que os índices efetivamente praticados são superiores
a tal disposição, anotando-se que trata-se de ônus que lhe incumbia. Pretende o autor o reconhecimento da abusividade da taxa
de administração, fixada em 21,5 % (vinte e um e meio por cento),conforme se infere da fatura de fls. 30. Contudo, diferente do
afirmado pelo autor, atualmente, não vige o art. 42 do Decreto 70.951/72, visto que ocorreu modificação legislativa e agora cabe
ao Banco Central dispor sobre a matéria, por força do art. 33 da Lei 8.177/91, que o colocou como órgão responsável pela
fiscalização dos consórcios. Ainda no âmbito dessa atribuição, o Banco Central editou diversos atos normativos, dos quais
destacam-se as Circulares 2.196/92, 2.386/93 e 2.766/97 que cuidaram da taxa de administração, sem estabelecer limitações
percentuais. Por outro lado, já se reconheceu que não há abusividade da taxa de administração fixada em montante superior a
10% (dez por cento), aplicando-se ao caso o entendimento da Súmula 538 do STJ, que dispõe: As administradoras de consórcio
têm liberdade para estabelecer a respectiva taxa de administração, ainda que fixada em percentual superior a dez por cento. O
posicionamento é acolhido pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo ao apreciar caso semelhante, inclusive em data
recente: CONSÓRCIO Contrato Bem imóvel Desistência Interesse de agir Presença Taxa de administração Verba devida à
administradora do consórcio em decorrência dos serviços prestados Percentual pactuado que não se demonstra abusivo
Inteligência da súmula 538 do C. STJ Taxa a ser calculada proporcionalmente sobre as prestações efetivamente pagas pelo
demandante Sentença mantida Recursos não providos (TJSP; Apelação Cível 1027387-03.2018.8.26.0564; Relator (a):Maia da
Rocha; Órgão Julgador: 21ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo -3ª Vara Cível; Data do Julgamento:
09/02/2021; Data de Registro: 09/02/2021). Ainda não se pode negar que as administradoras de consórcio possuem liberdade
para fixar a respectiva taxa de administração, nos termos do art. 33 da Lei n. 8.177/1991 e da Circular n. 2.766/1997 do BACEN,
destacando-se que o percentual de 21,5% (vinte e um e meio por cento) não se mostra abusivo, sendo certo que o consumidor
não demonstrou que o valor praticado destoa de forma significativa do valor de mercado. No mais, a priori, o valor fixado a título
de taxa de administração (21,5%) não impõe, por si só, prestação manifestamente desvantajosa ao consumidor, na medida em
que remunera o serviço de administração do consórcio pela ré que, como é de conhecimento notório, envolve várias atividades
e custos para manutenção do complexo sistema consorcial. Entretanto, compulsando os autos, viável reconhecer configurada a
alegada venda casada com relação ao seguro de vida, previsto na cláusula 5 do contrato (fls. 226), pois ausente indicação de
possibilidade de contratação com terceiro, de modo que deve ser aplicado o posicionamento fixado pelo Colendo Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais números 1.639.259/SP e 1.639.320/SP, analisados em sede de
recursos repetitivos (tema 972): TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015 (...) 2.2 - Nos contratos
bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora
por ela indicada. 2.3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. (...) (STJ, 2ª Seção,
Recursos Especiais nºs 1.639.259/SP e 1.639.320/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 12/12/2018) A tese já foi
aplicada em caso semelhante pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: AÇÃO REVISIONAL COM PEDIDO DE REPETIÇÃO
DE INDÉBITO Contrato de consórcio de imóvel Alegação de venda casada de seguro Sentença de procedência Insurgência da
parte ré Não acolhimento Clausula não facultativa Ausência de indicação da possibilidade de contratação com terceiro Direito a
informação CDC Devolução da quantia - Sentença mantida Honorários recursais - Recurso não provido. (TJSP, 15ª Câmara de
Direito Privado, Apelação nº 1009507-71.2019.8.26.0011, rel. Des. ACHILE ALESINA, j. 23.04.2020, v.u.). Assim, mostra-se
pertinente o pedido de devolução dos valores pagos à título de seguro de vida, cuja a restituição deverá ser feita de maneira
simples, visto que não comprovada a existência da má-fé do requerido ou cobrança judicial dos valores que legitimassem a
aplicação do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, em que pese a cobrança acima indicada ser indevida,
entendo que não se verifica nada que justifique a reparação moral pleiteada pelo autor. Como ensina o mestre Yussef Said
Cahali, citando Dalmartello: Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto,
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º